ARISTOCRATA CLUBE - São Paulo - Brasil
O mais luxuoso clube negro do Brasil
Numa época em que “gente de cor” era barrada nos bailes e nas piscinas
da elite branca, negros de classe média fundaram seu próprio clube em
São Paulo. Foram tempos de festa, música e balanço como armas contra o
preconceito.
O silêncio que impera no salão do Aristocrata
Clube, no Centro, é interrompido pelo tilintar das chaves com as quais
seu presidente, ¬Mário Ribeiro, abre uma enorme porta de vidro decorada
com um símbolo azul. É dia de feijoada, no segundo sábado do mês, e
Mário se entusiasma com a possibilidade de encontrar outros sócios
fundadores para uma tarde repleta de risadas e recordações. A despeito
do combinado, ninguém aparece. Têm sido assim, num misto de abandono e
descaso, os dias na sede social do clube.
Talvez para
não perder a viagem, Mário passa a contar histórias enquanto confere
velhas fotos penduradas nas paredes. São retratos de um passado em nada
parecido com o aspecto puído que se espalha pelo ambiente. Em suas
palavras e naquelas imagens, não resta dúvida de que o clube, abandonado
às vésperas de seu aniversário de 50 anos, já teve muito o que
comemorar.
Em seus tempos
áureos, o Aristocrata era saudado em reportagens laudatórias e fotos de
página inteira na grande imprensa. “Este é o mais luxuoso clube negro
do Brasil”, afirmava a revista Fatos&Fotos do início dos anos 1970,
entre imagens de agitados finais de semana num “ambiente hollywoodiano”
que reunia “as mais belas mulatas paulistas”. A descrição da revista
retratava um cotidiano muito parecido com o que se via em clubes apenas
para brancos, como Homs, Pinheiros ou Paulistano. Ainda que não pudessem
frequentá-los no dia a dia, os negros eram admitidos em partidas de
futebol contra seus times.
Foi num desses jogos que surgiu a
primeira ideia de um clube para negros. “A gente só se mexe quando é
cutucado”, diz Mário, dono do cutucão responsável pelo surgimento do
Aristocrata. Assim como a maioria dos fundadores, ele jogava no Boca
Juniors da Bela Vista, um time de futebol de várzea famoso nos anos
1950. Num jogo contra a equipe do Pinheiros, os jogadores foram
convidados a visitar o clube ao final da partida. Era perto das 13h e
fazia muito calor. “Eu disse que, se tivesse um calção, até mergulharia
na piscina”, lembra Mário. “Aí, meu amigo, sócio do Pinheiros, disse que
calção ele até emprestaria. O problema era que, segundo eles, havia um
preparado na piscina que fazia mal para a pele do negro.” Indignados,
eles decidiram criar um clube próprio onde não houvesse discriminação.
o caso no Pinheiros seguiu-se um ano de jantares mensais nas casas dos
sócios fundadores. Os encontros serviram para eleger Raul dos Santos
como o primeiro presidente, decidir o que seria oferecido aos sócios e
escolher a localização ideal para a sede. Como a maioria dos associados
havia nascido na Bela Vista e trabalhava na região central, a sede foi
instalada num conjunto comercial na Rua ¬Álvaro de Carvalho, no Centro.
As paredes foram derrubadas, reformou-se a cozinha, e, em 13 de março de
1961, o Aristocrata abriu oficialmente as portas. O sucesso foi
instantâneo. Nos primeiros meses, 600 sócios entraram para o
¬Aristocrata. Os associados eram, em sua maioria, funcionários públicos,
advogados e profissionais liberais. O clube abria sua sede todos os
dias no final de tarde e era ponto de encontro para a happy hour. Eles
bebiam uísque e caipirinha, comiam petiscos e se divertiam ao som de
bossa nova e soul music americana. Nas noites de sexta-feira e sábado,
cerca de 100 sócios se encontravam ali.
“Eram uns negros
polidos, cultos e com uma posição financeira mais assentada”, afirma
¬Ideval Anselmo, 70 anos, garçom do Aristocrata na época. Aos sábados,
além das reuniões noturnas, havia almoço – sempre com o mesmo menu:
frango com polenta em dias quentes e feijoada nos dias frios. “Os caras
eram enjoados”, diz Ideval. “Só tomavam caipirinha coada e jogavam
xadrez depois do almoço.”
Em seus tempos
áureos, o Aristocrata era saudado em reportagens laudatórias e fotos de
página inteira na grande imprensa. “Este é o mais luxuoso clube negro
do Brasil”, afirmava a revista Fatos&Fotos do início dos anos 1970,
entre imagens de agitados finais de semana num “ambiente hollywoodiano”
que reunia “as mais belas mulatas paulistas”. A descrição da revista
retratava um cotidiano muito parecido com o que se via em clubes apenas
para brancos, como Homs, Pinheiros ou Paulistano. Ainda que não pudessem
frequentá-los no dia a dia, os negros eram admitidos em partidas de
futebol contra seus times.
Foi num desses jogos que surgiu a
primeira ideia de um clube para negros. “A gente só se mexe quando é
cutucado”, diz Mário, dono do cutucão responsável pelo surgimento do
Aristocrata. Assim como a maioria dos fundadores, ele jogava no Boca
Juniors da Bela Vista, um time de futebol de várzea famoso nos anos
1950. Num jogo contra a equipe do Pinheiros, os jogadores foram
convidados a visitar o clube ao final da partida. Era perto das 13h e
fazia muito calor. “Eu disse que, se tivesse um calção, até mergulharia
na piscina”, lembra Mário. “Aí, meu amigo, sócio do Pinheiros, disse que
calção ele até emprestaria. O problema era que, segundo eles, havia um
preparado na piscina que fazia mal para a pele do negro.” Indignados,
eles decidiram criar um clube próprio onde não houvesse discriminação.
o caso no Pinheiros seguiu-se um ano de jantares mensais nas casas dos
sócios fundadores. Os encontros serviram para eleger Raul dos Santos
como o primeiro presidente, decidir o que seria oferecido aos sócios e
escolher a localização ideal para a sede. Como a maioria dos associados
havia nascido na Bela Vista e trabalhava na região central, a sede foi
instalada num conjunto comercial na Rua ¬Álvaro de Carvalho, no Centro.
As paredes foram derrubadas, reformou-se a cozinha, e, em 13 de março de
1961, o Aristocrata abriu oficialmente as portas. O sucesso foi
instantâneo. Nos primeiros meses, 600 sócios entraram para o
¬Aristocrata. Os associados eram, em sua maioria, funcionários públicos,
advogados e profissionais liberais. O clube abria sua sede todos os
dias no final de tarde e era ponto de encontro para a happy hour. Eles
bebiam uísque e caipirinha, comiam petiscos e se divertiam ao som de
bossa nova e soul music americana. Nas noites de sexta-feira e sábado,
cerca de 100 sócios se encontravam ali.
“Eram uns negros
polidos, cultos e com uma posição financeira mais assentada”, afirma
¬Ideval Anselmo, 70 anos, garçom do Aristocrata na época. Aos sábados,
além das reuniões noturnas, havia almoço – sempre com o mesmo menu:
frango com polenta em dias quentes e feijoada nos dias frios. “Os caras
eram enjoados”, diz Ideval. “Só tomavam caipirinha coada e jogavam
xadrez depois do almoço.”
O burburinho
no número 118 da Álvaro de Carvalho começou a atrair gente famosa.
Passaram por ali grandes nomes da música brasileira, como Jair
Rodrigues, Wilson Simonal, ¬Caetano Veloso e Gilberto Gil. Eles eram
levados pelo cantor Agostinho dos Santos e por outros diretores
influentes antes ou depois de se apresentarem na cidade. “Cheguei a
tocar algumas músicas lá, acompanhado só pelo violão”, lembra ¬Milton
Nascimento. “Sempre que lançávamos um álbum, tocávamos primeiro no
Aristocrata”, diz Amilton Godoy, pianista do Zimbo Trio. As visitas
ilustres não se limitavam a artistas brasileiros. Nat King Cole, Sarah
¬Vaughan e o pugilista Muhammad Ali visitaram o clube ao passar pelo
Brasil.
Além dos encontros diários e dos almoços aos sábados, o
Aristocrata organizava duas grandes festas de gala por ano, sempre
lotadas, com até 2 mil pessoas. Nessas ocasiões, o número de convidados
excedia a capacidade máxima da sede social e a diretoria era obrigada a
alugar um espaço maior, normalmente a Casa de Portugal, veterano salão
em atividade até hoje na Avenida Liberdade. Em março, havia um baile de
gala em comemoração ao aniversário do clube; em setembro, um baile de
debutantes estendia a jovens negras uma regalia até então restrita a
garotas de famílias ricas brancas. O baile para as filhas de sócios
incluía valsa com os pais e uma cerimônia em que elas, aos 15 anos,
ganhavam o primeiro sapato de salto alto. “O Aristocrata nos deu estofo
para encarar as questões étnico-raciais de frente”, diz Maria Cecília de
Moraes, que debutou em um baile no clube. “Nos ajudou a ter autoestima
num tempo em que ser negro era motivo de vergonha.” Em ambos os bailes, o
dress code variava entre passeio completo e black tie. “Eles não
queriam fazer festa ‘de neguinho’, de fundo de quintal”, diz Maria
¬Cecília. Na estica, dançavam ao som das orquestras de ¬Nelson de Tupã e
do Maestro ¬Simonetti, responsáveis por manter a pista cheia até as 4h.
Com bailes
lotados e salões muito bem frequentados, os diretores do Aristocrata
decidiram erguer um clube de campo – igual àqueles onde só os brancos
podiam nadar. “Já tínhamos poder aquisitivo para cobrir eventuais
gastos”, diz Luiz Carlos dos Santos, um dos fundadores. “O -Aristocrata
tinha fama de clube de negros ricos.” Já se passavam três anos desde a
fundação, e os associados sentiam falta de uma área destinada ao esporte
e lazer. “Estávamos acostumados a, quando pequenos, nadar nas águas
barrentas do Rio Tietê. Aí, quando íamos aos outros clubes e víamos
aquelas piscinas, queríamos ter a nossa”, afirma Luiz Carlos. O local
escolhido foi um terreno de 60.000 metros quadrados e relevo irregular
na Estrada do Bororé, no Grajaú, na Zona Sul. Era, na época, uma região
de pequenas chácaras. Cinquenta sócios se cotizaram para quitar, em 24
suaves parcelas, a dívida assumida para viabilizar a compra.
A
terraplenagem foi feita com máquinas emprestadas por um cliente do
cartório onde ¬Mário Ribeiro trabalhava – as mesmas usadas na construção
de Brasília, segundo ele. Depois de realizar a manutenção, o dono da
empresa mandava “os negros do clube do Mário” testarem. “Íamos para lá
no fim de semana, fazer piquenique e cortar mato”, diz o presidente do
clube. Com doações, campanhas de arrecadação e a ajuda de Adalberto
Camargo, deputado (negro) eleito com a ajuda dos dirigentes do
Aristocrata, em 1966 as obras começaram a andar mais rápido. Quatro anos
mais tarde, o clube inaugurou duas piscinas: uma para adultos,
semiolímpica (25 metros de comprimento), e outra infantil, com a
presença de autoridades e o hasteamento de bandeira.
Aos
sábados, entre mil e 1,5 mil pessoas se divertiam à beira das piscinas.
Na sede social, as happy hours continuavam atraindo sócios e gente
famosa, lotando o salão de segunda-feira a sábado. Os filhos dos
associados jogavam futebol e basquete, enquanto as garotas aprendiam
vôlei e dançavam balé. No final do ano, as crianças apresentavam números
de dança copiados da TV. Uma vez por semestre, a sede de campo era
aberta para enormes festas da cerveja, com um casal trajando roupas
típicas alemãs e convidados bebendo em canecas de porcelana feitas
especialmente para a ocasião (quando até 5 mil pessoas assistiam a shows
de Jorge Ben e Jamelão).
Excursões vinham do Rio de Janeiro e
do interior de São Paulo. Com 3,6 mil sócios, o Aristocrata vivia seu
auge. O sucesso do clube motivou novos planos para a sede de campo: os
diretores queriam construir uma escola e um hospital na região – e
alguns chalés para famílias que quisessem passar o fim de semana no
local.
Até o final da década de 1970, o Aristocrata viveu sua
glória. Em 1986, o clube lotou o salão do Círculo Militar, no
Ibirapuera, na comemoração de seu jubileu de prata. Mas dali em diante
não houve muito mais o que festejar. Os planos de expansão não
progrediram, os filhos dos sócios perderam interesse no clube, e os
pais, alguns já idosos, não o frequentavam com a mesma assiduidade. “O
Aristocrata foi reflexo de uma época que acabou”, diz Jasmin Pinho,
diretora do documentário Aristocrata Clube, lançado em 2004. “Essa
geração não se renovou.” Com o crescimento da cidade veio o trânsito,
que tornou a viagem ao Grajaú demorada. Até o endereço mudou: a estrada
virou avenida e perdeu o nome indígena. O terreno, na agora Rua Dona
Belmira Marin, teve 10.000 metros quadrados invadidos e, nas décadas de
1990 e 2000, foi em parte desapropriado por concessionárias de água e
luz. Uma favela se instalou na vizinhança. “Quando houve a invasão, o
pessoal já havia deixado de frequentar o local”, afirma Martha Braga,
ex-presidente do clube. “A manutenção foi ficando difícil, e o clube se
tornou um elefante branco.”
Hoje, pouco sobrou do Aristocrata
além das memórias dos sócios fundadores ainda vivos e de seus filhos.
Alguns guardam em suas casas um vasto acervo de fotos de bailes, festas,
almoços e visitas de estrelas. Dividida em cinco lotes, a sede de campo
terá três deles desapropriados pela prefeitura e transformados no
Centro de Tradições Populares Clube Aristocrata, aproveitando as quadras
para oferecer algum lazer à região do Grajaú. Como indenização, o clube
receberá R$ 1,5 milhão, dinheiro que será usado para quitar dívidas
acumuladas e, quem sabe, devolver à sede social um pouco do brilho do
passado. Até lá, Mário Ribeiro continuará frequentando o local todo
segundo sábado do mês, na esperança de reencontrar algum velho amigo
para uma nova sessão de feijoada regada a boas memórias.
Fonte: http://revistaepocasp.globo.com/Revista/Epoca/SP/0,,EMI186813-16206-1,00-MEMORIA+ARISTOCRATA+O+MAIS+LUXUOSO+CLUBE+NEGRO+DO+BRASIL.html
*
Para saber mais, assistam aos documentários:
ARISTOCRATA CLUBE - Parte 1 - http://www.youtube.com/watch?v=2-sdap1j6dc
*
ARISTOCRATA CLUBE - Parte 2 - http://www.youtube.com/watch?v=xFrFoJliiWM
*
ARISTOCRATA CLUBE - Parte Final - http://www.youtube.com/watch?v=kPw85IDXBlE
****
ARISTOCRATA CLUBE NOS ANOS 60 - http://www.youtube.com/watch?v=KQt0lFZkfg4
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