segunda-feira, 13 de maio de 2013

MANIFESTO 13 DE MAIO

'Com isto, os negros que durante todo o regime escravista lutaram continuamente, não conseguiram no seu final a hegemonia do processo. O abolicionismo foi institucionalizado para preservar os interesses dos brancos proprietários de terras e capitais. Se houve redenção, portanto, na passagem do escravismo para o capitalismo, dependente ela é dos que “libertaram” o negro de forma como o fizeram, a fim de conservá-lo até hoje discriminado em todos os níveis da sociedade brasileira. Com a Abolição foram criados novos níveis de privilégios e novas formas de opressão: só não vê isto quem não quer e o pior cego é aquele que não quer ver.'
                                                                    
                                                                 Jerônimo Silva, coordenador da Unegro


 




Quem me conhece, sabe exatamente o que penso a respeito do que está escrito nos livros escolares. O 13 de Maio, como data referencial histórica para a 'abolição da escravatura' no Brasil, foi uma farsa política, previamente traçada, com o objetivo de livrar-se de uma mão de obra que já não interessava a nova ordem economica vigente. Apenas. E com todos os requintes de crueldade que a escravidão já havia imposto aos nossos ancestrais.

O início da era da industrialização no país, com foco na indústria cafeeira, não comportava a mão de obra escrava, a tanto tempo na labuta na monocultura da cana. Desde que este fato político foi desenhado, incluso nele a estratégia de trazer os europeus como 'mão-de-obra qualificada', nossas vidas como hoje a compreendemos, e de todas as gerações que nos precederam, foram desenhadas. Através de Lei que passa a regulamentar a posse das terras brasileiras através de documentos de compra e venda ou herança, foi dado o primeiro passo para libertarem-se eles, os barões, do compromisso de alimentar seus escravos. Num Brasil onde a propriedade era determinada pelo 'cerque até onde minha vista alcança', nenhum negro forro poderia mais cercar nada, tudo já teria dono antes da 'abolição'. Esta foi uma política adotada.

A Lei do Ventre Livre e a Lei do Sexagenário, foram outras maneiras de construção desta política. Afinal, com quem ficaram estas crianças nascidas no período? Servindo a quem para se alimentar? E nossos idosos? Muita gentileza oferecer 'liberdade' a quem passou a vida trabalhando 16 horas por dia, e aos sessenta anos já não se aguentava mais, se é que conseguissem chegar a esta idade antes de sucumbir aos açoites das senzalas.
Falo com propriedade de bisneta de negra nascida na Lei do Ventre Livre, com quem tive o privilégio de conviver até meus 14 anos de idade, e de onde pude receber toda uma gama de informações que marcam a formação de meu caráter e de minhas ideologias.
Nasceu livre, mas foi criada na senzala. Estuprada sucessivas vezes por um maldito barão, mãe de dois filhos, chegou ainda muito jovem ao bairro de São Cristóvão no Rio de Janeiro, reduto tnto de negros quanto de portugueses e italianos, lavou muita roupa para sobreviver e criar sua prole.  E, com muita sorte, muito trabalho, muita humilhação e muita fé, conseguiu.
 


Como poderia eu comemorar uma data em que nossos ancestrais foram jogados na rua como restos de um período que já não interessava politicamente? Repito: todas as desigualdades a que somos submetidos diariamente são fruto de uma política de governo!!! Sabe quando eu vou comemorar? Quando a reparação ao povo negro for feita nos parâmetros da reparação oferecida aos perseguidos políticos, por exemplo. Quando houver uma comissão para investigar e reparar a nossa verdade. Não, eu não surtei. Apenas acredito que nossa história foi escrita em cima de sangue, estupros, sequestros, assassinatos, e merecemos reparação. Nenhum de nós aberá quantificar seus ancestrais negros assassinados, porque sequer temos o direito de uma árvore genealógica com informações seguras de nossas raízes desde a Africa. Sabemos que de lá viemos, e que por isto a luta é uma só. Quem morreu de fome, banzo ou escorbuto nos porões, não deixou nome. As vítimas de tortura nas senzalas não deixaram nome. Mas nós sabemos exatamente de onde viemos.

 

E sabemos que é por este motivo que nossos jovens negros continuam sendo assassinados. Por este motivo que são alvo e gatilho na violencia que nos assola diariamente. Por este motivo que não há uma política que definitivamente proíba o comércio do crack, que vem devastando e bestializando com muita eficácia. Por este motivo que nossas manifestações culturais vem sendo anuladas sistematicamente em troca de lixo cultural e pseudo-religiosidade. Por este motivo que eu quero as cotas. Por este motivo é que eu não me calo. Pois da mesma maneira que meus ancestrais deixaram impressos em minha alma o incomodo da escravidão, deixaram também uma carne dura, teimosa, e que sabe exatamente o valor da RESISTENCIA.

Andrea Tinoco


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